A inexorável concentração da Agricultura e o extermínio de um estilo de vida
Date:12-04-2017
Há meses que venho meditando sobre escrever esse Artigo.
Trata-se de uma abordagem antipática, desagradável e que quase ninguém quer encarar. Poderia dizer que é algo parecido com o famigerado “exame da próstata”. Ninguém quer saber, mas algum dia terá que fazer.
Num mundo de transformações cada vez mais rápidas ou de modificações “disruptivas”, para usar um termo muito em voga, é impossível que as consequências não atinjam em cheio a Agricultura.
O fato é que a concentração dos grandes conglomerados de insumos e das tradings irá forçar a ocorrência do mesmo movimento na produção agrícola, principalmente no cultivo de grãos como Soja e Milho.
Isso deverá ocorrer aqui no Brasil, mas também nos países que concorrem conosco.
Trata-se de um processo “darwiniano” em que a sobrevivência no setor se dará a partir do incremento da escala produtiva, da maior capacidade de gerenciamento financeiro e de obtenção de crédito, entre outros fatores.
Como dizia Charles Darwin, “a atuação da seleção natural sobre os indivíduos mantém ou melhora o grau de adaptação destes ao meio”.
Quanto mais reflito sobre isso ao olhar para um futuro não muito distante no Agro, mais me convenço de que as fazendas brasileiras, e também em outras partes do mundo, tenderão a ser cada vez maiores, o que resultará na inexorável extinção do “Colono” no perfil que conhecemos.
A produção de commodities agrícolas tem a sua base competitiva fundamentada no diferencial de custos. Nesse sentido, quanto menores forem os custos nominais de uma propriedade comparada a outra, maiores serão as chances de sobrevivência num cenário de alta concorrência.
Diferentemente de outros segmentos, os Produtores não colocam o preço no produto que vendem. O preço é determinado pelos demandantes.
Utilizando a definição de autoria do meu Amigo Liones Severo, “a Soja não tem um valor implícito em si. Ela depende essencialmente da transformação industrial, que se desdobra em dois produtos (Farelo e Óleo), cuja comportamento combinado da demanda determina o preço do grão como matéria-prima, incluíndo todo o seu custo de produção, logística e financiamento”.
O célebre Engenheiro Agrônomo Polan Lacki, também assevera que “Os Agricultores compram seus insumos no Varejo a custos elevados e vendem a produção barato no Atacado”.
Sob outro ângulo, aprendemos que o avanço da tecnologia produz efeitos deflacionários, muitas vezes traumáticos e definitivos, cuja velocidade de implantação provoca quedas estruturais nos preços, seja pela via do incremento da produtividade, seja pelo barateamento dos custos de produção. Basta olharmos para o que ocorreu no setor de informática e de telecomunicações nos últimos anos para que se evidencie a dramaticidade do cenário.
Dito isso, a conclusão não poderia ser menos aguda quando nos remetemos ao Agro.
Significa que propriedades familiares com módulos menores do que 500 hectares, perfil típico do sul do Brasil, tenderão a desaparecer rapidamente, se os proprietários não buscarem mecanismos alternativos de associação, de utilização compartilhada de máquinas, de compras de insumos em pool e outras atividades nas quais o poder de barganha possa vir a ser melhorado diante do gigantismo dos fornecedores e compradores.
Sobram realmente poucas possibilidades de sobrevivência e contra isso não existe Político, Liderança Messiânica, nem mesmo a paralisação de todos os Produtores por determinado tempo poderá obstar os efeitos dessa onda.
Lembremos que os computadores eliminaram completamente a razão de existir dos datilógrafos e de suas máquinas de escrever. A este grupo imenso de pessoas, restou tão somente a forçosa adaptação ao novo contexto laboral através do aprendizado ou simplesmente a aposentadoria.
Com os “pequenos” produtores de grãos não será diferente.
Muitos continuarão lutando bravamente por algum tempo para manterem-se à tona, mas a diferença de custos será implacável e a sociedade urbana não deverá se mostrar disposta a assumir a conta de subsídios oriundos do aumento de impostos.
O setor agrícola mundial está mudando numa velocidade drástica nos últimos anos com o advento das tecnologias da informação, da automação e do melhoramento genético com impactos crescentes sobre os rumos da geopolítica, o que alterou substancialmente as regras do jogo para algo muito diferente daquilo que vivenciaram os nossos Pais e Avós.
A globalização é uma realidade da qual não podemos escapar e nem nos queixar, pois se trata de uma força motriz imparável. Não é possível por decreto, deixarmos de exportar ou de importar, o que nos força a obedecer às regras estabelecidas pelo condomínio mundial.
Alguém já ouviu falar da implementação da IFRS-9 e como isso deverá afetar a vida dos Agricultores a partir de Janeiro/2018?
Em rápidas palavras, o IFRS-9 é uma diretriz contábil de abrangência global que impõe uma série de obrigações às Instituições Financeiras. Entre elas, uma nova metodologia de reconhecimento dos riscos inerentes aos ativos financeiros (e as commodities agrícolas são ativos de grande liquidez negociados em Bolsa), além de mecanismos para trazer maior transparência e visibilidade no processo de aprovação de créditos.
Em princípio, o leitor mais apressado poderá perguntar: E o que isso tem haver comigo? Sou Agricultor e não Banqueiro!
Os Bancos deverão submeter os tomadores de crédito aos mesmos critérios, sejam eles empresas fornecedoras de insumos, tradings ou mesmo Agricultores.
Existe enorme dificuldade de se medir o risco na agricultura brasileira, principalmente na produção de grãos, devido ao fato da esmagadora maioria dos produtores não estarem obrigados a apresentação de demonstrações contábeis, segundo as normas técnicas internacionais.
Agricultores detém muitas vezes um patrimônio na forma de ativos e máquinas que valem dezenas de milhões de reais, movimentam somas vultosas na compra de insumos e/ou na de venda da sua produção, sem que estejam submetidos as mesmas regras que uma pequena padaria ou oficina mecânica deve estar para obter um centavo de financiamento.
Não nos enganemos, o crédito é o segundo “insumo" mais importante no Agro, perdendo somente para a água.
Será imperativo, segundo os novos dispositivos, a visualização clara sobre a forma como os recursos são utilizados na atividade agrícola, quais são os critérios para investimento, quais são as políticas de gerenciamento de riscos e estratégias de comercialização.
Balanço Patrimonial, Demonstração de Resultados do Exercício e Fluxo de Caixa já são os documentos mais importantes de qualquer empresa no mundo, sejam pequenas, médias ou grandes.
Como se tudo isso fosse pouco, os nossos Políticos “maravilhosos” preparam o retorno da tributação sobre a exportação a partir da eliminação da Lei Kandir. Em breve, deverão surgir com a idéia de inserir PIS/Cofins e ICMS sobre os insumos.
A situação está muito crítica para os Produtores.
É fundamental termos consciência desse cenário e buscarmos estratégias concretas sem demagogias e nem alarmismos.
O conhecimento prévio e uma avaliação fria poderão permitir que se construam alternativas inteligentes, principalmente de proteção patrimonial.
Avaliar a possibilidade de sair do setor enquanto há tempo passará a ser uma via a ser contemplada por milhares de produtores. É preferível sair com uma boa reserva financeira que permita reconstruir a vida em outra atividade, do que literalmente perder tudo e viver das lembranças do passado.
Infelizmente, para a maioria das pessoas e eu me incluo totalmente nesse Grupo, a Agricultura não é apenas um negócio. É muito mais do que isso. É um estilo de vida, uma forma honesta de se criar os filhos sob a saudável influência do trabalho e de se construir um legado.
Muitos me chamam de “Gaúcho do Apocalipse”, mas considero que a leitura dos tempos e o compartilhamento responsável dos cenários é uma obrigação.
Prefiro estar errado nas minhas análises e até provocar a bronca de muita gente amiga, do que me manter omisso diante da gravidade do quadro apenas para continuar bacana.